segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O VELHO E O GAROTO

O pai do garoto foi mais uma vítima fatal da violência tão alarmada nas grandes cidades brasileiras. A mãe, ainda muito jovem, não teve muitas opções se não voltar para a casa dos pais com o garoto e a irmãzinha caçula.

Dentre as poucas lembranças que o garoto tem do falecido pai, estão as intermináveis discussões com o velho sogro sobre o mais importante dentre os assuntos menos importantes: o futebol. O pai vascaíno e o avô tricolor disputavam a preferência do pirralho com mimos, informações e até dinheiro.

Impulsionado pelo pai, mas inexplicável, como nascem todos os amores, o moleque escolheu o lado cruzmaltino da guerra, e teve alguns dissabores no início, uma vez que nos anos 80, o Fluminense era uma verdadeira pedra no sapato do clube de São Januário, culminando na dramática eliminação nas quartas-de-final do Brasileirão de 1988. O avô não perdia uma oportunidade de tripudiar, uma vez que agora eram dois os fregueses.

Depois da tragédia citada no primeiro parágrafo, o velho assumiu com maestria o papel de pai. O salário era tímido, mas sempre se dava um jeito de agradar aos dois pequenos netos respondões e debochados. Ao garoto, o avô ainda dedicava algumas aulas sobre futebol, suas histórias e ensinamentos, sempre carregados de sabedoria, bom humor e uma indisfarçada queda para o lado de seu querido Fluminense em todas as histórias.

O garoto aprendeu termos que hoje não são tão usados como “abriu o score”, “córner”, “quarto-zagueiro”, “azougue” e “joga pra dedéu”. E aprendeu que Castilho foi o maior goleiro da história do mundo. E que Rivelino depois de duzentos anos no Corinthians, veio para o Fluminense para ser campeão pela primeira vez na carreira na inesquecível máquina tricolor.

Sentar na cama do velho, ouvir futebol no rádio com narração de José Carlos Araújo era o que tinha de mais sagrado em um domingo de tarde. Nunca mais esquecerá “vai mais, vai mais, vai mais garotinho”, “deu uma quebra de asa”, “apite comigo galera” e adorava quando tinha a eleição para a “cremilda”, destinada ao pior jogador em campo. Nas segundas à noite, era dia de ver futebol na TV, com Januário de Oliveira esbanjando categoria na narração. Januário imortalizou o “taí o que você queria”, “é disso que o povo gosta”, “olhos nos olhos, se passar fica na boa” e o “cruel, muito cruel”.

Mais crescido, o garoto passava a comandar as ações nas gozações, ajudado pela boa fase do Vasco, que chegou a conquistar o Brasil e a América em anos seguidos, enquanto o tricolor das Laranjeiras amargava uma triste queda à terceira divisão nacional. Aliás uma das passagens mais tocantes foi quando o velho, pouco antes do Fluminense x Vitória pela última rodada do Brasileiro de 1996, afirmou que se o Flu terminasse rebaixado, jamais torceria novamente pelo clube. Óbvio que a promessa foi descumprida logo no primeiro jogo após a queda. E é óbvio que o garoto não cobrou a promessa, ele gostava daquela “rivalidade”, mais até do que isso, ele PRECISAVA do velho assistindo jogos com ele (ou contra ele).

Além do radinho e da TV, velho e garoto iam juntos a estádios de vez em quando. Inclusive, o velho estava presente na primeira vez do garoto (que ele tenha alguma lembrança) em um estádio de futebol, logo no maior do mundo. Naqueles anos 80 de freguesia, o garoto fã de Mazinho, Romário e Geovane viu Paulo Victor e Romerito brilharem na vitória tricolor por 2 a 0, com dois gols do gringo.

Algumas vezes o velho levava o garoto até o campo de Moça Bonita para algum Bangu x Vasco ou Bangu x Fluminense. Chegaram a ver um Fluminense x Goiânia pela Série C, com show dos garotos Roni e Roger. E como era divertido para o garoto, ver um jogo de futebol – qualquer que fosse o jogo – ao lado de seu velho avô.

Com o tempo, o garoto passou a tentar retribuir tudo o que aquele velhote tinha feito por ele. Ajudava nas despesas da família, pagava TV a cabo para o avô ter sempre um futebolzinho bacana para curtir sua aposentadoria. Levava o velho ao campo do Bangu, ao recém-inaugurado Engenhão e ao bom e velho Maracanã para que voltassem aqueles momentos inesquecíveis e deliciosos.

Nunca conseguiu retribuir. Nem financeiramente, muito menos em amor, carinho, sabedoria e formação de caráter, tudo o que aquele velhinho de entradas no cabelo e bigode respeitável o ensinou. E se hoje, o garoto tenta ser uma pessoa de bem, fazer sempre o bem a todos a sua volta e dar todo o merecido valor à sua família e aos seus amigos, isso é muito por conta da educação liderada pelo véio.

Daqui a pouco fará quatro anos (nunca me preocupei em gravar a data) que o velho deixou o garoto órfão pela segunda vez. Até hoje, o garoto sente muita, MUITA falta daquele velhote maravilhoso. Hoje, em específico, o garoto resolveu escrever uma pequena, mas merecida homenagem. E deixou cair livremente algumas lágrimas de saudade.

Passam dores, passam mágoas,
Mas a saudade não passa.”


6 comentários:

  1. Estou meio emotivo, e com esse texto acabou escorrendo algumas gotas de suor dos meus olhos. Parabéns por sua habilidade com as palavras e com as pessoas.

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  2. Confesso que entrei aqui mais por amizade, pois sempre gostei muito do que você 'é'...
    Agora descobri que também gosto muito do que você escreve.

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  3. Meus olhos teimaram de embaçar minha visão ... Lindo ... Parabéns pela homenagem e pela criação maravilhosa que te deram. Bjs a todos

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  4. É muito interessante conhecer a sua percepção do cotidiano. É linda a sua admiração pelo seu avô e o seu reconhecimento por todo amor q ele te dedicou. "Tudo passa mas o amor permanece."

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  5. Muito legal. De alguma forma, todos nós temos em nossas vidas uma figura parecida com o avô.

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  6. Muito bom! Saudações Alvinegras

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