O pai do garoto foi mais uma vítima
fatal da violência tão alarmada nas grandes cidades brasileiras. A
mãe, ainda muito jovem, não teve muitas opções se não voltar
para a casa dos pais com o garoto e a irmãzinha caçula.
Dentre as poucas lembranças que o
garoto tem do falecido pai, estão as intermináveis discussões com
o velho sogro sobre o mais importante dentre os assuntos menos
importantes: o futebol. O pai vascaíno e o avô tricolor disputavam
a preferência do pirralho com mimos, informações e até dinheiro.
Impulsionado pelo pai, mas
inexplicável, como nascem todos os amores, o moleque escolheu o lado
cruzmaltino da guerra, e teve alguns dissabores no início, uma vez
que nos anos 80, o Fluminense era uma verdadeira pedra no sapato do
clube de São Januário, culminando na dramática eliminação nas
quartas-de-final do Brasileirão de 1988. O avô não perdia uma
oportunidade de tripudiar, uma vez que agora eram dois os fregueses.
Depois da tragédia citada no primeiro
parágrafo, o velho assumiu com maestria o papel de pai. O salário
era tímido, mas sempre se dava um jeito de agradar aos dois pequenos
netos respondões e debochados. Ao garoto, o avô ainda dedicava
algumas aulas sobre futebol, suas histórias e ensinamentos, sempre
carregados de sabedoria, bom humor e uma indisfarçada queda para o
lado de seu querido Fluminense em todas as histórias.
O garoto aprendeu termos que hoje não
são tão usados como “abriu o score”, “córner”,
“quarto-zagueiro”, “azougue” e “joga pra dedéu”. E
aprendeu que Castilho foi o maior goleiro da história do mundo. E
que Rivelino depois de duzentos anos no Corinthians, veio para o
Fluminense para ser campeão pela primeira vez na carreira na
inesquecível máquina tricolor.
Sentar na cama do velho, ouvir futebol
no rádio com narração de José Carlos Araújo era o que tinha de
mais sagrado em um domingo de tarde. Nunca mais esquecerá “vai
mais, vai mais, vai mais garotinho”, “deu uma quebra de asa”,
“apite comigo galera” e adorava quando tinha a eleição para a
“cremilda”, destinada ao pior jogador em campo. Nas segundas à
noite, era dia de ver futebol na TV, com Januário de Oliveira
esbanjando categoria na narração. Januário imortalizou o “taí o
que você queria”, “é disso que o povo gosta”, “olhos nos
olhos, se passar fica na boa” e o “cruel, muito cruel”.
Mais crescido, o garoto passava a
comandar as ações nas gozações, ajudado pela boa fase do Vasco,
que chegou a conquistar o Brasil e a América em anos seguidos,
enquanto o tricolor das Laranjeiras amargava uma triste queda à
terceira divisão nacional. Aliás uma das passagens mais tocantes
foi quando o velho, pouco antes do Fluminense x Vitória pela última
rodada do Brasileiro de 1996, afirmou que se o Flu terminasse
rebaixado, jamais torceria novamente pelo clube. Óbvio que a
promessa foi descumprida logo no primeiro jogo após a queda. E é
óbvio que o garoto não cobrou a promessa, ele gostava daquela
“rivalidade”, mais até do que isso, ele PRECISAVA do velho
assistindo jogos com ele (ou contra ele).
Além do radinho e da TV, velho e
garoto iam juntos a estádios de vez em quando. Inclusive, o velho
estava presente na primeira vez do garoto (que ele tenha alguma
lembrança) em um estádio de futebol, logo no maior do mundo.
Naqueles anos 80 de freguesia, o garoto fã de Mazinho, Romário e
Geovane viu Paulo Victor e Romerito brilharem na vitória tricolor
por 2 a 0, com dois gols do gringo.
Algumas vezes o velho levava o garoto
até o campo de Moça Bonita para algum Bangu x Vasco ou Bangu x
Fluminense. Chegaram a ver um Fluminense x Goiânia pela Série C,
com show dos garotos Roni e Roger. E como era divertido para o
garoto, ver um jogo de futebol – qualquer que fosse o jogo – ao
lado de seu velho avô.
Com o tempo, o garoto passou a tentar
retribuir tudo o que aquele velhote tinha feito por ele. Ajudava nas
despesas da família, pagava TV a cabo para o avô ter sempre um
futebolzinho bacana para curtir sua aposentadoria. Levava o velho ao
campo do Bangu, ao recém-inaugurado Engenhão e ao bom e velho
Maracanã para que voltassem aqueles momentos inesquecíveis e
deliciosos.
Nunca conseguiu retribuir. Nem
financeiramente, muito menos em amor, carinho, sabedoria e formação
de caráter, tudo o que aquele velhinho de entradas no cabelo e
bigode respeitável o ensinou. E se hoje, o garoto tenta ser uma
pessoa de bem, fazer sempre o bem a todos a sua volta e dar todo o
merecido valor à sua família e aos seus amigos, isso é muito por
conta da educação liderada pelo véio.
Daqui a pouco fará quatro anos (nunca
me preocupei em gravar a data) que o velho deixou o garoto órfão
pela segunda vez. Até hoje, o garoto sente muita, MUITA falta daquele
velhote maravilhoso. Hoje, em específico, o garoto resolveu escrever
uma pequena, mas merecida homenagem. E deixou cair livremente algumas
lágrimas de saudade.
“Passam
dores, passam mágoas,
Mas a saudade não passa.”
Mas a saudade não passa.”